Minha experiência na CodeconDev 2021

Flávio Clésio
7 min readMay 10, 2021

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Eu já tive a grata oportunidade de participar como palestrante em alguns eventos nacionais eventos nacionais como o TDC e DevFest e até mesmo em alguns eventos gringos como o Strata Data em Singapura, Spark Summit em Dublin na ODSC mas dentro da minha experiência a CodeconDev foi de longe a melhor conferência que eu participei como palestrante.

Eu vou colocar alguns dos pontos que eu achei que a conferência mandou muito bem e que pode servir de referência até para muita conferência grande.

Diversidade dos palestrantes

Eu sei que isso pode parecer básico em 2021, mas enquanto muita gente não entender o porquê de pessoas de cores, gêneros e perspectivas distintas precisam ser representadas isso vai precisar ser repetido [N1].

O evento foi bem representado contando com as palestras da Camila Campos, Mônica Craveiro, Ana Neri, Ana Bastos, com a moderação da PachiCodes. Por conta do fuso eu consegui pegar apenas a palestra da Ana Bastos sobre Clojure (alô Gabriel libera os vídeos aí mano) que ela mandou muito bem explicando conceitos de imutabilidade e programação funcional, indo desde o básico mostrando exemplos com código propriamente dito.

Sem diversity washing [NT2]

Essa é uma coisa que a CodeconDev está de parabéns uma vez que, ao menos comigo, não teve o que eu chamo de convite pra bater meta diversidade.

Na real a coisa toda aconteceu depois que eu vi um post do Alex Rios sobre a Codecon e eu resolvi seguir o Gabriel Nunes (que está como o frente do evento) e falamos sobre o conteúdo de ML meu blog e o convite rolou naturalmente.

Eu tenho que escrever sobre isso um dia (e eu sei que muita gente vai fica brava com isso) mas se tem uma coisa que me deixa doente em algumas grandes conferências de tecnologia é como algumas desrespeitam a luta de muitas minorias e fazem diversity washing para alavancar visibilidade e sinalizar virtude enquanto mancham todo um movimento [NT3].

E até pelos assuntos escolhidos já deu para ver que todas as palestras tiveram bastante profundidade técnica que dão um show em comparação com muitos eventos do tipo white-saviour dos anos 2000 que a audiência ficava batendo palma para Hello World em Ruby e palestrante mostrando telinha preta em MacBook.

Aqui a CodeconDev está de parabéns por não promover um teatro de diversidade.

Gravação de palestras ao invés do famigerado formato de lives

No meio dessa situação global de pandemia muitas das conferencias foram para o formato digital e isso é um avanço gigantesco, dado que esse formato da acesso para quem não está na mesma região geográfica do evento e democratiza tornando o evento mais acessível.

Uma das consequências disso foram a multiplicação dos formatos de lives para os eventos, o que eu acho que foi um retrocesso. Explico.

Uma live geralmente tem um formato muito mais interativo de transmissão de conteúdo do que uma aula ou mesmo apresentação técnica. Com isso acaba acontecendo as intermináveis — e grande parte das vezes desnecessárias — interrupções.

Toda live de conteúdo técnico sempre tem ao menos 3 do que eu chamo arquétipos de interruptores que são o (i) “quero me mostrar inteligente e perguntar algo avançado que vai ser falado no final da palestra”, o (ii) “minha empresa está com o problema X não relacionado com a palestra, tem como você me dar consultoria agora na sua resposta?” e por fim o (iii) “o cara de 10.000 perguntas que poderiam ser googladas”.

Essas interrupções trazem alguns problemas que ao meu ver arruínam as palestras técnicas como (1) interrompe o raciocínio do emissor da informação (principalmente se o assunto for muito complexo e depende de uma linearidade das ideias), (2) não respeita o tempo de quem está prestando atenção de fato dado que a esmagadora maioria das perguntas caem no ponto (iii) e (3) todo o/a palestrante sempre tem que fazer apresentações desconsiderando parte da profundidade técnica dado que ele(a) sempre vai receber as mesmas questões.

O formato, ao menos pra mim foi perfeito: grava-se a apresentação e abre 30 minutos de live para perguntas e respostas moderadas. Assim palestrantes não tem a quebra de raciocínio durante a explicação e quem tiver interessado em tirar dúvidas faz isso no espaço e tempo separados para isso.

Produção profissional dos vídeos

A edição profissional merece um destaque a parte. Uma das vantagens do formato de gravação foi que muitas partes desnecessárias foram cortadas, e de quebra tanto o áudio quanto o vídeo ficaram com uma qualidade boa.

Um outro destaque foi a inclusão de transmissão por libras que mostra o compromisso da CodeconDev com a inclusão de pessoas com deficiência auditiva (se eu não me engano a única plataforma que eu conheço que faz a mesma coisa é a Alura).

A produção profissional do conteúdo da CodeconDev dá um banho nesse caminhão de lives de animação fantasiadas de aula e mostra que dá pra fazer mais e com qualidade.

ANA BASTOS — CLOJURE É UM JAVA MELHOR QUE JAVA — CODECON 2021

Investimento para participar do evento

Um tema importante que pouco se discute o valor de investimento para participação dos eventos. No caso da CodeconDev as palestras foram gratuitas e os workshops tiveram o custo de R$ 30 reais.

Os workshops tiveram temas muito relevantes tecnicamente e por si só já valeram todo o evento. Todos os workshops que eu vi foram de um nível técnico excelente e foram muito mais além do que um monte de vídeo “Hello-World-em-Python-pra-gerar-engajamento-no-YouTube”.

A lista de workshops foi composta por:

O preço em si estava bem acessível considerando a audiência técnica, e a profundidade dos assuntos abordados.

Sinceramente eu acredito muito que os grandes eventos têm muito que aprender aqui com a CodeconDev no sentido da estrutura de precificação e custos. Por mais que eu acredite que a informação tem que ser democratizada e ao mesmo tempo as pessoas devem ser remuneradas, não existem motivos para workshops gravados ou lives custarem mais de R$ 1000. E por falar em dinheiro…

Remuneração dos palestrantes

Eu vou colocar aqui o conteúdo do e-mail que eu e todos os palestrantes receberam que reforça mais ainda o ponto de que os grandes eventos deveriam usar o mesmo modelo da CodeconDev:

Uma vontade que a gente sempre teve nos eventos que organizamos é ajudar de alguma forma os palestrantes/workshopers/apresentadores (pelo trabalho de participar aqui e ajudar o evento). Por isso decidimos pagar um valor a vocês. Uma divisão de parte dos lucros do evento.

Pegamos parte** dos lucros do evento, para dividir entre 16 pessoas. São os palestrantes, a apresentadora e quem vai dar workshop.

O lance aqui que eu quero destacar nem foram os valores recebidos por cada pessoa, mas sim a mentalidade da organização de remunerar o tempo das pessoas que estão dando tempo para transmitir conhecimento para outras pessoas, tempo este que poderia ser empregado em diversão ou mesmo desenvolvimento pessoal próprio.

O Jefferson Fernando da LinuxTips fez um vídeo mandando a real nua e crua de eventos corporativos (não confundir com eventos de comunidade) que lucram nas costas de pessoas que querem compartilhar o seu conhecimento ao mesmo tempo que pagam uma grana alta para pessoas fazerem keynote de 30 minutos pra falar de banalidades (ou destilar um monte de besteiras) tudo isso no tenebroso formato TED talk.

NÃO VOU MAIS PALESTRAR DE GRAÇA!

Eu entendo que todo evento tem a sua estrutura de custos (diretos e de oportunidade), tempo, stress de organização, e tudo mais; e que os grandes eventos são uma plataforma que ajudam amplificar e difundir uma mensagem técnica que pode fazer a diferença na carreira, e porque não na vida das pessoas. E sendo assim é belo e moral que cobrem um valor justo.

Contudo, capitalizar boa vontade e tempo das pessoas sem ao menos remunerar as pessoas que dão a qualidade ao evento, mostra muito do caráter (e da ausência dele) por parte da organização. Além de ser eticamente errado. [NT4]

Considerações Finais

Eu compartilhei parte da minha experiência com a CodeconDev para mostrar que existe vida (muito mais inteligente por sinal) além dos eventões e que existe sim forma de compensar pessoas que gastam parte do seu tempo para ajudar outras pessoas a crescer profissionalmente via o compartilhamento de conhecimento.

Notas

[N1] — Eu tive a ingrata experiência de navegar em alguns grupos de Linux em PT-BR no Telegram e é incrível como uma galera Sysadmin-white-saviour dos anos 90 que surfou em privilégio estão se doendo vendo a atual geração de pessoas de cor, deficientes, mulheres e transgêneros conseguindo um lugar ao sol.

[NT2] — Não sei se existe um termo em PT-BR para isso, mas seria algo como lavagem (tintura?) de diversidade ou teatro de diversidade.

[NT3] — Os convites sempre começam com “Vimos que você é <<coloque grupo com problemas de representação>> tem interesse de participar?” onde parte de alguns “eventões” literalmente não liga para o conteúdo técnico. Eu já vi um desses eventões organizadora pedindo para empresa mandar “alguém de cor” para dar uma palestra mesmo se a pessoa não soubesse um puto do que estava falando (passa os slides e já era). Isso não somente queima a luta de pessoas já com pouca representação, como coloca mais insegurança nas pessoas “Então eu estou falando aqui apenas porque eu sou do grupo X e não pelo conteúdo?”. Isso não é legal.

[NT4] — Uma impressão pessoal que eu tenho é que uma parte mais vocal da coletividade de profissionais (comunidade, sic.) discute de uma maneira muito imatura questões relacionadas a dinheiro. Ao invés de focarem na estrutura do jogo (e.g. como maximizar as oportunidades via negociação, o valor da expertise técnica, e entendendo que desenvolvimento de software é um serviço de altíssimo valor agregado que permite com que empresas tenham escalabilidade de receita) focam em jogos idiotas de exposição salarial e sinalização no Twitter. Se algum dia tiver uma demanda sobre isso eu vou colocar algumas considerações que eu vi ao longo do tempo sobre isso, e do porquê caras negros como eu (e talvez pessoas de outros gêneros) temos a nossa ambição castrada todos os dias por uma pequena parcela da sociedade.

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Flávio Clésio

Father, Son, Brazilian, Machine Learning Engineer, Traveler, Blogger, and Smooth Operator @ flavioclesio.com